CAPÍTULO VII – LIVRO IMITAÇÃO
DE MARIA
DE COMO CONSIDERAR AS
VANTAGENS E O BEM-ESTAR DA SOLIDÃO
O Servo -
Dias bem tranquilos e serenos, ó Virgem Santa, teriam sido certamente aqueles
que passastes no Templo. Pacífica e comodamente gozastes o prazer das
comunicações divinas. E dentro de vós mesma preparavas um Templo mais glorioso
e mais digno de Deus.
O vosso
espírito vivia cheio de um pensamento só: a presença de Deus, cujas grandezas e
perfeições não cessáveis de contemplar. O "bem-amado" era "tudo
para vós" e vós éreis "tudo para ele".
O que o
mundo pode apresentar de mais rico e mais belo era uma bagatela aos vossos
olhos.
Maria - Na
verdade, filho meu, é na solidão afastada do mundo que uma alma pode passar
felizes dias. Só de Deus se preocupa como se nada mais houvesse na terra senão
Ele e a sua alma. O espírito mergulha-se no recolhimento para só escutar a voz
de seu Deus. Nada há que interrompa a voz do coração, falando incessantemente a
Deus.
Todo o
prazer dessa alma, toda a sua glória e riqueza, ela vai buscar nestas curtas
palavras, a repetir com amor: "Sois o Deus do meu coração" (SI
72,26). "Sentada", como a esposa sagrada, "à sombra do bem-amado"
(Ct 2,3), pensa com compaixão nas atividades a que se entregam os homens à
procura de riquezas e opulências.
Ela não compreende
como se ame outra coisa fora do que ela ama. Pouco a interessa tudo o que na
terra se passa. O que ela ama é o que foi sempre, e sempre será o que é, o
mesmo Deus tão santo e tão amável. E a alma tira deste pensamento um motivo
constante de alegrias novas. Quando Deus quer transmitir a uma alma as suas divinas
lições, "a conduz à solidão" e "lhe fala ao coração" (Os
2,16).
Pede-lhe,
pois, meu filho, este gosto de recolhimento, este espírito de retiro, que
tinham os santos. Ama viver longe do mundo, onde não apareças senão por
necessidade. Quando a necessidade a isso te obrigar, imita a pomba que se viu constrangida
a sair da arca, mas rapidamente para lá voltou, visto que, fora da arca, lugar
não achou o seu descanso.
Se,
cautelosamente, não fugires ao mundo, logo dele tomarás os gostos; e do momento
em que gostares das coisas do mundo, já te não agradarão as coisas que são de
Deus.
A esposa
dos Cânticos procurou o seu bem-amado nas ruas de Jerusalém, mas não o
encontrou. Confessa que jamais saíste das conversas do mundo sem que mais
culpado estivesses aos olhos de Deus, mais ainda do que antes. É necessário o
amor do recolhimento, para que em público se apareça com segurança.
Na vida
retirada é que se aprende a maneira de falar, quando se está no mundo.
É a vida
retirada um dos meios mais poderosos de conservar alguém sua inocência. Nada entibia
tanto a virtude do homem quanto a frequente companhia dos homens.
Poder-se-á,
porventura, respirar uma atmosfera tão contagiosa como a do mundo sem sentir os
efeitos do seu contágio? Retira-te muitas vezes para a solidão, onde respirarás
um ar mais puro.
Os santos
solitários confessavam só se achar em estado de conversar familiarmente com
Deus depois que se apartavam dos negócios e do contato do mundo.
Meu filho,
Deus se delicia em se achar contigo. Delicia-te também em ficarem com Deus. Mas
em lugar nenhum o encontrarás tão bem como na solidão. Nesta, melhor descerrarás
de ti o véu que te oculta os pensamentos íntimos e lhe poderás dizer mais
livremente os teus sentimentos, com toda a liberdade de uma confiança
respeitosa.
Então, ele
fará que te nasçam no espirito com maior facilidade pensamentos de alívio para
as tuas penas, que acalmem os teus temores, que dissipem as tuas dúvidas e
ensinem como te conduzires com prudência em todas as coisas.
É na
solidão, enfim, que o teu coração escutará de Deus aquela voz secreta que Lhe é
própria; que o coração dele te falará uma linguagem só entendida pelos seus
amigos e capaz de imprimir na alma verdades cujo conhecimento é pura obra da
caridade divina.
ESCUTE ESTA RÁDIO!