VAIDADE: VAZIO PROFUNDO
Como pregava São Vicente Ferrer
Vicente Ferrer percorria nas asas de seu ardente
apostolado cidades e vilas. Quando sua voz cheia de unção ameaçava castigos ou
prometia prêmios eternos, os ouvintes rompiam em soluços e de seus olhos brotavam
lágrimas de arrependimento. Ninguém resistia à sua palavra de fogo. Uma vez
teve de pregar diante de um grande senhor numa festa solene e aparatosa.
Vicente esqueceu-se naquele dia de beber em suas fontes costumeiras e consultou
autores, folheou livros eruditos e preparou períodos eloqüentes. O sermão saiu
de seus lábios perfeito, magnífico.
Aquele grande senhor quis ouvi-lo de novo no dia
seguinte. O Santo, arrependido de sua vaidade da véspera, foi prostrar-se, como
era seu costume, aos pés do Crucifixo, e preparou-se na meditação e na presença
de Deus. Subiu ao púlpito e pregou. Sua palavra foi como sempre cheia de calor
e de unção.
Terminado o sermão, disse-lhe o grande senhor:
— Hoje gostei mais do seu sermão; o senhor falou
com outra convicção e com outro ardor...
— Senhor — replicou humildemente o Santo — ontem
pregou Vicente, hoje pregou Jesus Cristo!
A vaidade feminina
Santa Rosália, em seus verdes anos, passava
diariamente muito tempo, horas a fio, diante do espelho a enfeitar-se. Um dia,
vendo refletir-se no espelho um Crucifixo que estava suspenso à parede oposta,
pôs-se a pensar no contraste entre as suas vaidades e as humilhações do
Salvador, entre o seu corpo amimado e o de Jesus dilacerado pelos açoites e
espinhos... Movida pela graça, deixou Rosália as vaidades e vãos adornos e daí
em diante levou uma vida de abnegação e sacrifício, chegando a grande
santidade.
Pedras de Mármore
Conta-se que em Gênova, a soberba cidade dos ricos
e famosos cemitérios, vivia uma velha vendedora de frutas, cujo maior desejo e
máxima aspiração era Ter, depois da morte, um famoso mausoléu. Para esse fim
passava a vida ajuntando centavo por centavo, economizando, impondo-se inúmeras
privações e vivendo miseravelmente.
Ajuntara, afinal, a soma necessária e, após a
morte, teve realmente a sua pedra de mármore, o seu ambicionado e rico
mausoléu.
E, todavia, a maior parte dos ricos e mormente dos
avarentos não são ainda mais néscios? Não vivem trabalhando, lutando e
economizando para que outros, depois de sua morte, gozem de suas economias,
desfrutem suas riquezas? E eles com que se contentam? Com alguns pedaços de
pedras, a que pomposamente se dá o nome de mausoléu!...
Contempla-se ao espelho pela última vez
Na cidade de Florença vivia uma jovem. Que vaidosa
que era! Só pensava em pentear a sua formosa cabeleira, acariciar e aformosear
a sua carne. Diante do espelho, diariamente passava longas horas
contemplando-se e estudando o grave problema de encontrar um meio de fazer
sobressair ainda mais a sua graça e formosura...
Mas, por detrás do espelho, a enfermidade a
espreitava... Meteu-lhe as garras e prostrou-a no leito de dores. A febre
consumia todos os seus ossos e, dentro de poucos dias, de toda a sua beleza não
restava mais que um rosto lívido e um punhado de ossos descarnados.
E por detrás da enfermidade apresentou-se, com sua
terrível caveira e com seus ossos esqueléticos, a morte. Aquela jovem não
contava mais que vinte anos e, no entanto, tinha de despedir-se da vida e de
todas as coisas mundanas que tanto amava.
Disseram-lhe com delicadas palavras que o seu
estado era muito grave e que, por isso, devia preparar-se para comparecer
diante de Deus... A vaidosa jovem lançou um grito de dor. Olhou para trás e viu
que perdera tristemente a vida esquecendo-se de Deus... Olhou para frente e
compreendeu que estava a dois passos do Juiz dos céus e da terra, a quem terá
de dar contas de todas as suas vaidades... Estava às portas do céu ou do
inferno!
A consciência dizia-lhe aos gritos que muito tinha
que temer por sua salvação eterna...
A febre converteu-lhe a cabeça numa fornalha de
fogo. Saltou da cama, abriu seus cofres e seus armários, tirou os vestidos mais
preciosos e as jóias mais ricas e começou a vestir-se e a enfeitar-se como
naquelas noites em que se preparava para ir aos bailes e teatros... Como louca,
e sustentada pela mesma febre, penteou-se e arranjou-se com toda a elegância...
Contemplou-se ao espelho e pôs-se a exclamar: “Como sou formosa! Como sou
formosa!... E queriam enterrar-me a mim, a mulher mais formosa do mundo! Não,
não... quero viver, quero viver... Venham minhas jóias, minhas pérolas, meus
vestidos, meu anéis, minhas pulseiras, meus colares...”
E fora de si, arrojava-se a todos os seus cofres,
armários e baús, e tirava os seus tesouros e apertava-os contra o coração e
beijava-os com loucura...
Sim, estava louca! E louca continuou por alguns
dias, e louca morreu... E metida num caixão, e vestida com uma pobre mortalha,
levaram-na à sepultura.
Eis aí a verdade: A vaidade humana tem que deixar
todos os seus tesouros nas garras frias e cruéis da morte.