A Humildade - por Santo Afonso de Ligório







A Humildade - Por Santo Afonso de Ligório


Segui o exemplo de Sta. Catarina de Senna. Quando era tentada de
 vanglória, humilhava-se; e quando acometida de desânimo, confiava
 em Deus, pelo que o demônio lhe disse um dia com raiva: 
“Maldita tu e maldito quem te ensinou esse meio de me vencer. 
Não sei mais como te apanhar”. — Assim, pois, quando o inimigo
 vos disser que para vós não há perigo de cair, tremei, pensando 
que, se Deus vos deixa um instante, estais perdidas. Quando fordes
 tentadas de desânimo, dizei com Davi: Senhor, pus em vós todas 
as minhas esperanças, confio que não serei confundida, privada da 
vossa graça e feita escrava do inferno. 

Considerai-vos como o maior pecador que existe na face da terra.
 As almas verdadeiramente humildes são mais esclarecidas da
 luz celeste, e como conhecem melhor as perfeições de Deus, 
também vêem melhor as suas misérias e os seus pecados. 
Dai vem que os santos, cuja vida era tão exemplar e tão 
diferente da dos mundanos, se diziam, não por exagero, mas com 
verdadeira convicção, os maiores pecadores do mundo. 
— Assim se julgava S. Francisco de Assis. — S. Tomas de 
Vilanova era continuamente assaltado de temor, pensando, dizia ele,
 nas contas que havia de dar a Deus pela sua má vida. 
— Sta. Gertrudes considerava um milagre não se abrir a terra 
debaixo de seus pés, para engoli-la por causa de seus pecados.
 — S. Paulo eremita derramava lágrimas, dizendo: “Ai de mim
 pecador, que não mereço ter sequer o nome de monge”. 
— O bem-aventurado padre Mestre Ávila refere a este 
propósito que uma pessoa de grande virtude, tendo rogado a 
Deus lhe fizesse ver qual era o estado de sua alma, obteve a 
graça pedida e a viu tão disforme e abominável, embora só 
tivesse cometido pecados veniais, que exclamou: Senhor, 
por misericórdia, tirai-me de diante dos olhos essa figura monstruosa.

Guardai-vos, pois, de vos preferir a quem quer que seja. Basta
 um julgar-se melhor do que os outros, para se tornar o pior de 
todos, assegura Trithemio. Assim também basta que alguém 
creia ter grandes merecimentos para perder os que tem e não ter 
mais nenhum. O principal merecimento da humildade consiste 
em crer um sinceramente que não tem nenhum direito adquirido 
e que não merece senão afrontas e castigos.

Os dons e graças que Deus vos tem concedido não serviriam 
senão para vos fazerem condenar com maior rigor no dia 
do juízo, se abusásseis desses dons, elevando-vos acima dos outros.
 Mas não basta não vos antepordes à nenhuma; é preciso, como 
já ficou dito, considerar-vos a última e a mais indigna de todos
 os vossos irmãos. E porque? Primeiramente, porque conheceis 
sem dúvida os muitos pecados que tendes cometido, e ignorais os 
pecados dos outros; e, ao contrário, sabeis que nada possuis, e não 
conheceis muitas virtudes ocultas. Além disso considerai que, com
 as luzes e graças que o Senhor vos prodigalizou, já devíeis ser um 
santo. Oh! se Deus houvesse dado tantas graças a um infiel, talvez
 fosse já um serafim; e vós ainda estais tão atrasado e tão cheio a 
imperfeições e defeitos!

O Espírito Santo nos dá esse aviso: Há alguns que se fazem de 
humildes, só serem tidos e louvados por humildes e para 
não serem repreendidos e humilhados. — Mas, diz S. Bernardo, 
procurar louvores das humilhações não é humildade, porém 
destruição da humildade; porque, deste modo, a mesma virtude 
torna-se uma fonte de soberba.

Na teoria, dizia S. Vicente de Paulo, a humildade tem uma boa 
aparência, mas na prática é horrenda, porque a verdadeira humildade
 consiste em amar as objeções e desprezos. Pelo que notou S. João 
Clímaco, que, para ser humilde não basta dizer que se é mau, mas 
também é preciso alegrar-se de ser tido por tal pelos outros e de 
ser por isso desprezado. Eis as suas palavras: “É bom que tu digas mal de ti, mas é melhor que, quando ouvires dizer isto por outrem, tu o 
confirmes, não te ressentindo, e até alegrando-te com isso. 
— Antes já o escrevera S. Gregório: “O verdadeiro humilde 
confessa-se pecador, e quando lhe censuram as faltas, não as nega mas reconhece”.

Enfim, S. Bernardo exprime o mesmo pensamento nestes termos: 
O verdadeiro humilde não pretende ser louvado por humilde, mas 
quer ser tido por vil, defeituoso e desprezível e se compraz 
de se ver humilhado e tido na conta em que se estima. Dai 
vem que a humilhação o torna mais humilde, diz o mesmo Santo
 doutor: Muda a humilhação em humildade.



Santo Afonso de Ligório no livro A Verdadeira Esposa de Cristo. 

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